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A Validade da Norma Coletiva em Relação às Horas Extras de Trabalhadores Externos

Braskem

A negociação coletiva é um dos pilares fundamentais das relações de trabalho no Brasil. Ela permite que empregadores e trabalhadores ajustem suas relações por meio de convenções e acordos coletivos, trazendo benefícios e flexibilizações que muitas vezes são essenciais para a dinâmica de determinadas profissões. No processo TST-RR-1000634-37.2019.5.02.0032, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) enfrentou uma questão relacionada à aplicabilidade de uma norma coletiva que exclui trabalhadores que exercem atividades externas do controle de jornada, nos termos do artigo 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Essa decisão, de grande relevância, foi proferida pelo Ministro Breno Medeiros e destaca o respeito à autonomia da vontade coletiva, ao reconhecer que as normas coletivas podem estabelecer exceções ao controle de jornada, desde que respeitados os direitos fundamentais dos trabalhadores.

O Contexto do Caso

O processo envolve a empresa Souza Cruz Ltda., que foi inicialmente condenada ao pagamento de horas extras para um trabalhador que exercia atividades externas. O trabalhador alegou que, apesar de sua função ser considerada externa, ele estava sujeito a um controle indireto de jornada, uma vez que utilizava celular corporativo, precisava reportar suas atividades por meio de um aplicativo e seguia roteiros pré-estabelecidos pela empresa. Essas atividades, segundo ele, indicavam que havia uma supervisão indireta sobre seu horário de trabalho, o que configurava a necessidade de pagamento de horas extras.

Contudo, a empresa Souza Cruz defendeu-se com base em uma norma coletiva assinada com o sindicato da categoria. Essa norma excluía do controle de jornada os trabalhadores que exercem atividades externas, como vendedores e representantes, que têm autonomia para organizar seu próprio itinerário, definir seus horários de início e término de trabalho, além de cumprir suas atividades de forma independente.

A empresa argumentou que o trabalhador tinha total autonomia para organizar seu dia de trabalho, de acordo com as diretrizes estabelecidas no acordo coletivo, e que os instrumentos utilizados, como o celular e o aplicativo, eram apenas ferramentas de comunicação, e não mecanismos de controle de jornada.

A Decisão do Tribunal Regional e a Interposição do Recurso

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em sua decisão inicial, entendeu que o trabalhador estava sujeito a um controle indireto, o que descaracterizava a autonomia necessária para ser excluído do controle de jornada. Com base nesse entendimento, o TRT condenou a empresa ao pagamento de horas extras.

Diante dessa decisão, a empresa interpôs um recurso de revista no Tribunal Superior do Trabalho (TST), argumentando que a exclusão do trabalhador do controle de jornada estava prevista na norma coletiva firmada com o sindicato e que essa exclusão deveria ser respeitada. A empresa também fundamentou seu recurso no Tema 1.046 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da constitucionalidade das normas coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas, desde que não atinjam direitos indisponíveis.

O Tema 1.046 de Repercussão Geral e a Autonomia da Negociação Coletiva

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.046, fixou a tese de que as normas coletivas podem afastar ou flexibilizar certos direitos trabalhistas, independentemente de vantagens compensatórias explícitas, desde que essas normas respeitem os direitos absolutamente indisponíveis dos trabalhadores. Isso significa que, desde que o direito em questão não esteja listado como um direito indisponível, ele pode ser flexibilizado ou afastado por meio de negociação coletiva.

O artigo 62, inciso I, da CLT é claro ao prever que os trabalhadores que exercem atividades externas, sem possibilidade de controle de jornada, não estão sujeitos às regras de horas extras. No caso em questão, a norma coletiva firmada entre a empresa e o sindicato reforçava esse entendimento, ao estabelecer que os trabalhadores que exercem atividades externas tinham autonomia para definir seus horários e, portanto, estavam excluídos do controle de jornada.

O Julgamento do TST

A 5ª Turma do TST, ao analisar o recurso de revista interposto pela Souza Cruz, reconheceu a transcendência jurídica do caso, uma vez que envolvia a aplicação de uma tese vinculante do STF e uma discussão sobre a autonomia da negociação coletiva. O relator, Ministro Breno Medeiros, ressaltou que o fato de o trabalhador utilizar um celular corporativo, seguir roteiros de visitação e registrar suas atividades em um aplicativo não descaracterizava a autonomia prevista na norma coletiva.

O Tribunal destacou que esses mecanismos de comunicação e registro de atividades são comuns em atividades externas e não constituem, por si só, controle de jornada. O relator frisou que a norma coletiva era válida e deveria ser respeitada, já que não violava nenhum direito absolutamente indisponível e estava em conformidade com a autonomia da vontade coletiva.

Com base nesses argumentos, o TST reformou a decisão do Tribunal Regional, dando provimento ao recurso de revista da Souza Cruz e excluindo o trabalhador do direito ao pagamento de horas extras, conforme previsto na norma coletiva e no artigo 62, inciso I, da CLT.

Impacto da Decisão

A decisão do TST reforça a importância das negociações coletivas no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro. A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) deu ainda mais força para os acordos e convenções coletivas, permitindo que diversos direitos trabalhistas sejam negociados diretamente entre empregadores e trabalhadores, por meio de seus sindicatos, sempre respeitando os direitos absolutamente indisponíveis.

O julgamento do Tema 1.046 pelo STF consolidou essa ideia, ao afirmar que as normas coletivas têm força de lei e podem afastar ou flexibilizar direitos, desde que não atentem contra direitos fundamentais dos trabalhadores. A decisão do TST, ao aplicar essa tese vinculante, reafirma o papel da negociação coletiva como um instrumento legítimo de flexibilização das relações de trabalho, especialmente em casos que envolvem atividades externas, onde o controle de jornada é impraticável.

Conclusão

O processo TST-RR-1000634-37.2019.5.02.0032, julgado pela 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, é um importante precedente para o reconhecimento da autonomia da negociação coletiva no Direito do Trabalho. A decisão reafirma a validade das normas coletivas que excluem trabalhadores externos do controle de jornada, desde que respeitem os princípios estabelecidos pela Constituição Federal e pela legislação trabalhista.

Além disso, a decisão reforça o papel da Reforma Trabalhista e da jurisprudência do STF em garantir que os acordos e convenções coletivas sejam respeitados, trazendo segurança jurídica tanto para os trabalhadores quanto para os empregadores. Nesse contexto, as horas extras deixam de ser um direito incontestável para os trabalhadores externos, quando há previsão expressa em acordo coletivo, garantindo-lhes autonomia na gestão de suas jornadas de trabalho.

Norma Coletiva

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