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Regime de Bens para Maiores de 70 Anos: Uma Nova Perspectiva Legal

Escritórios de Advocacia Estrangeiros

No julgamento do Agravo de Recurso Extraordinário (ARE) 1.309.642/SP, realizado em 2 de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, tomou uma decisão de grande relevância ao tratar da questão do regime de bens para pessoas maiores de 70 anos. A Corte fixou uma importante tese, alterando a interpretação do artigo 1.641, II, do Código Civil. Este artigo estabelece o regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos, aplicável tanto para casamentos quanto para uniões estáveis.

O STF entendeu que a regra da separação obrigatória de bens pode ser afastada, desde que as partes manifestem essa vontade expressamente por meio de escritura pública. Assim, a autonomia dos envolvidos em casamentos ou uniões estáveis é respeitada, permitindo-lhes escolher outro regime de bens, caso assim desejem. No entanto, se não houver uma manifestação em contrário, o regime da separação obrigatória de bens continuará sendo o aplicado.

Essa decisão inovadora traz mudanças importantes para o direito de família e as relações patrimoniais entre cônjuges e companheiros que, ao atingir a idade de 70 anos, desejam se casar ou formalizar uniões estáveis, mas que, até então, estavam limitados pela imposição do regime de separação obrigatória de bens.

O Contexto Legal: Artigo 1.641, II, do Código Civil

O artigo 1.641, II, do Código Civil Brasileiro determina que o regime de separação obrigatória de bens deve ser aplicado em três situações específicas:

  1. Quando o casamento for realizado sem a observância das causas suspensivas da celebração;
  2. Quando um dos cônjuges tiver mais de 70 anos;
  3. Nos casos em que o casamento ocorrer com base em inobservância de outras situações previstas em lei.

No entanto, a norma que impõe a separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos tem sido objeto de debates jurídicos ao longo dos anos. A justificativa histórica para essa imposição reside na preocupação com o potencial risco de fraudes, abusos patrimoniais ou interesses econômicos indevidos, especialmente em casos de casamentos ou uniões estáveis celebrados por pessoas idosas.

No entanto, com a evolução da sociedade e as mudanças no perfil da população idosa, a aplicabilidade desse artigo tem sido questionada, sobretudo no que diz respeito à sua compatibilidade com a autonomia das partes e o direito à liberdade de escolha. Muitos críticos argumentam que a imposição do regime de separação obrigatória de bens fere a liberdade individual dos cônjuges e companheiros de estabelecer suas próprias disposições patrimoniais.

O Caso Concreto: ARE 1.309.642/SP

No caso específico do Agravo de Recurso Extraordinário (ARE) 1.309.642/SP, o que estava em discussão era a possibilidade de afastar a imposição do regime de separação obrigatória de bens para pessoas maiores de 70 anos, mediante manifestação expressa das partes envolvidas. No caso concreto, o casal havia optado por outro regime de bens, mas enfrentou dificuldades legais em função da aplicação automática do artigo 1.641, II, do Código Civil.

O julgamento realizado pelo STF teve como foco central a análise da constitucionalidade da norma que impõe o regime de separação obrigatória e a sua compatibilidade com os princípios da liberdade e autonomia contratual. A decisão foi inovadora porque trouxe uma nova interpretação do artigo 1.641, II, permitindo que as partes manifestassem sua vontade de adotar outro regime de bens, caso assim desejassem.

A Autonomia das Partes: Um Princípio Constitucional

O STF, ao proferir a decisão, baseou-se no princípio constitucional da autonomia da vontade das partes. Esse princípio, que rege as relações contratuais no Brasil, é amplamente reconhecido no direito civil e se aplica também às relações familiares. A liberdade de escolha é um direito fundamental que garante às pessoas o poder de decidir sobre suas próprias questões patrimoniais e afetivas, desde que não violem a lei.

A Corte entendeu que, embora o artigo 1.641, II, tenha sido criado com o objetivo de proteger pessoas idosas de possíveis abusos, a regra não pode ser aplicada de forma rígida e indiscriminada, sem considerar a vontade dos envolvidos. Em muitos casos, casais de idade avançada têm condições de decidir, de forma livre e consciente, sobre o regime de bens que desejam adotar, e a imposição automática da separação obrigatória seria uma violação dessa autonomia.

Portanto, o STF decidiu que a norma deve ser aplicada com flexibilidade, permitindo que as partes escolham outro regime de bens, caso façam essa escolha expressamente por meio de escritura pública. Dessa forma, a separação obrigatória de bens deixa de ser uma imposição automática, passando a ser aplicada apenas quando as partes não se manifestam em sentido contrário.

O Regime de Separação de Bens: Características e Consequências

O regime de separação de bens é aquele em que cada cônjuge ou companheiro mantém a administração e a titularidade exclusiva dos bens adquiridos antes e durante o casamento ou união estável. Isso significa que os bens não se comunicam, ou seja, não há partilha de bens em caso de dissolução da união, a menos que haja um acordo em contrário.

Embora esse regime seja uma escolha válida para muitas pessoas, a sua imposição automática para maiores de 70 anos tem gerado questionamentos, especialmente em situações em que os cônjuges ou companheiros desejam adotar outro regime patrimonial, como o de comunhão parcial ou universal de bens.

Com a decisão do STF no ARE 1.309.642/SP, a imposição da separação obrigatória de bens perde seu caráter absoluto, possibilitando que maiores de 70 anos, ao manifestarem sua vontade expressamente por meio de escritura pública, escolham outro regime de bens que seja mais adequado às suas necessidades e expectativas.

Implicações da Decisão para Casamentos e Uniões Estáveis

A decisão do STF tem implicações significativas tanto para casamentos quanto para uniões estáveis envolvendo pessoas maiores de 70 anos. Embora o artigo 1.641, II, faça referência expressa ao casamento, a jurisprudência já vinha reconhecendo a aplicação desse dispositivo também para uniões estáveis.

Com a nova interpretação dada pelo STF, tanto casais que desejam se casar quanto aqueles que buscam formalizar uma união estável podem, de forma expressa, optar por um regime de bens diferente da separação obrigatória. Isso reforça a autonomia dos casais e amplia as possibilidades de escolha patrimonial, garantindo maior liberdade na gestão de seus bens e direitos.

Além disso, essa decisão pode trazer mais segurança jurídica para casais que, em idade avançada, desejam proteger seus patrimônios de forma mais adequada às suas realidades, sem ficarem sujeitos a regras rígidas que, muitas vezes, não se aplicam ao seu contexto específico.

Proteção contra Abusos Patrimoniais

Embora a decisão do STF seja um avanço no reconhecimento da autonomia das partes, é importante destacar que a possibilidade de afastamento da separação obrigatória de bens não significa que o Estado abrirá mão de proteger pessoas idosas contra abusos patrimoniais. A própria exigência de que a escolha por outro regime de bens seja feita por meio de escritura pública já serve como uma medida de proteção.

A escritura pública é um instrumento formal que envolve a atuação de um tabelião, garantindo que a manifestação da vontade das partes seja feita de forma consciente e esclarecida. Além disso, o tabelião pode recusar a lavratura da escritura caso perceba indícios de fraude, coação ou qualquer outra irregularidade que possa comprometer a validade do ato.

Portanto, a nova interpretação do STF equilibra a autonomia das partes com a necessidade de proteção contra eventuais abusos, garantindo que a escolha por outro regime de bens seja feita de forma livre, consciente e devidamente formalizada.

Conclusão

A decisão do Supremo Tribunal Federal no ARE 1.309.642/SP, proferida em 2 de fevereiro de 2024 e relatada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, trouxe uma nova perspectiva sobre o regime de bens para maiores de 70 anos, ao permitir que a separação obrigatória de bens possa ser afastada mediante manifestação expressa das partes em escritura pública. Essa decisão reforça o princípio da autonomia da vontade, permitindo que casais, tanto em casamentos quanto em uniões estáveis, escolham o regime de bens que melhor atenda às suas necessidades e expectativas.

Com essa nova interpretação, o STF abre espaço para uma maior flexibilidade no direito de família, ao mesmo tempo em que mantém medidas de proteção para garantir que as escolhas patrimoniais sejam feitas de forma consciente e sem fraudes. A separação obrigatória de bens continua sendo a regra para aqueles que não manifestam sua vontade em contrário, mas agora, casais maiores de 70 anos têm o poder de decidir sobre o futuro de seus patrimônios de acordo com suas próprias vontades e realidades.

Essa decisão é, sem dúvida, um marco importante na construção de um direito de família mais democrático, que respeita a liberdade de escolha das pessoas e promove a proteção adequada dos interesses patrimoniais e pessoais.

Regime de Bens

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