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Responsabilidade Civil do Estado e a Prescrição Quinquenal para Empresas Estatais: Entenda a Decisão do STJ

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No recente julgamento do EREsp 1.725.030-SP, em 14 de dezembro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou a aplicação da prescrição quinquenal às empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, sem fins lucrativos ou natureza concorrencial. A decisão, proferida pela Corte Especial e relatada pelo Ministro Raul Araújo, trouxe importantes esclarecimentos sobre a responsabilidade civil do Estado e a prescrição de dívidas passivas para essas entidades. Neste post, vamos detalhar os aspectos dessa decisão e sua relevância para o direito administrativo e empresarial no Brasil.

O Que É a Prescrição Quinquenal?

A prescrição quinquenal é o prazo de cinco anos que limita o tempo que uma pessoa tem para reivindicar direitos ou cobrar dívidas contra a Fazenda Pública. Esse prazo está estabelecido no Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios. O objetivo dessa norma é garantir a segurança jurídica e impedir que as entidades públicas sejam processadas por dívidas antigas e, muitas vezes, de difícil comprovação.

As Empresas Estatais e a Prescrição

As empresas estatais têm uma posição peculiar dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Elas são entidades com personalidade de direito privado, mas possuem características de direito público, uma vez que são controladas pelo Estado. A principal distinção entre empresas estatais está na sua finalidade. Algumas empresas estatais atuam em regime de competição no mercado, como é o caso das sociedades de economia mista que exploram atividades econômicas. Outras, no entanto, prestam serviços públicos essenciais sem fins lucrativos, sendo mais associadas às funções típicas do Estado.

O caso específico analisado pelo STJ envolveu a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), uma empresa pública que tem como finalidade a execução de programas habitacionais voltados para a população de baixa renda. A CDHU, apesar de ser uma empresa pública, foi considerada uma prestadora de serviço público essencial, o que a equipara à Fazenda Pública para fins de prescrição.

O Caso Concreto: EREsp 1.725.030-SP

Neste caso, a empresa Alfa foi contratada pela CDHU para realizar a construção de um prédio. O contrato previa um pagamento pela obra, que foi realizado com atraso em março de 2015, sem acréscimos de juros e correção monetária. Quatro anos depois, em março de 2019, a empresa Alfa ajuizou ação contra a CDHU, cobrando a diferença de juros e correção monetária que deveriam ter sido pagos pelo atraso.

A CDHU, por sua vez, contestou a ação, alegando a prescrição trienal com base no art. 206, § 3º, do Código Civil, que prevê o prazo de três anos para cobrar prestações acessórias, como juros e dividendos. No entanto, o juiz de primeira instância rejeitou essa alegação, aplicando o prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/1932, que rege as dívidas passivas da Fazenda Pública. A CDHU recorreu da decisão, sustentando que, como sociedade de economia mista, não estaria sujeita à prescrição quinquenal.

A Decisão do STJ

A Corte Especial do STJ, sob relatoria do Ministro Raul Araújo, decidiu que a prescrição quinquenal de fato se aplica às empresas estatais que prestam serviços públicos essenciais, sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial. A CDHU, portanto, foi equiparada à Fazenda Pública para fins de prescrição, e o prazo de cinco anos foi considerado válido.

De acordo com a decisão, embora as empresas estatais sejam pessoas jurídicas de direito privado, elas estão sujeitas a um regime jurídico híbrido, que combina normas de direito privado com disposições de direito público. Essa dualidade jurídica é especialmente relevante quando se trata de empresas que prestam serviços públicos essenciais, como a CDHU, que se dedica à habitação social sem competir no mercado.

Por Que Essa Decisão É Importante?

A decisão do STJ estabelece um importante precedente para outras empresas públicas que atuam em setores essenciais, como saúde, educação, saneamento básico e habitação. Essas empresas, ao serem equiparadas à Fazenda Pública, gozam de algumas das prerrogativas conferidas ao Estado, como a prescrição quinquenal. Esse entendimento protege as empresas estatais de ações judiciais referentes a dívidas antigas, conferindo maior estabilidade e previsibilidade às suas operações.

Além disso, essa decisão impacta diretamente as empresas contratadas pelo poder público, que devem estar atentas aos prazos prescricionais aplicáveis quando firmarem contratos com empresas estatais. Para essas empresas privadas, a decisão representa um alerta sobre a necessidade de monitorar de perto os prazos para a cobrança de dívidas e juros em casos de inadimplência por parte das estatais.

O Fundamento Legal da Decisão

A prescrição quinquenal está prevista no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, que determina que todas as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato que originou a dívida. O art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/1942 estende essa regra às autarquias e entidades paraestatais, que, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado, desempenham funções típicas do Estado.

No caso das empresas estatais, o STJ estabeleceu que, se essas empresas:

  • Prestarem serviços públicos essenciais;
  • Não tiverem finalidade lucrativa;
  • Não atuarem em regime de concorrência;

Elas serão tratadas da mesma forma que a Fazenda Pública para fins de prescrição. Isso significa que a prescrição quinquenal se aplica, e não o prazo de três anos previsto no Código Civil.

Conclusão: Impacto para o Direito Administrativo e Empresarial

A decisão do STJ no EREsp 1.725.030-SP é um marco importante para o direito administrativo e para o regime jurídico das empresas estatais. Ela reafirma o entendimento de que as empresas públicas que prestam serviços essenciais estão sujeitas ao mesmo regime de prescrição aplicado à Fazenda Pública, garantindo a essas entidades a estabilidade jurídica necessária para a execução de suas funções sociais.

Por outro lado, as empresas privadas que celebram contratos com essas entidades devem estar cientes das diferenças no regime prescricional e tomar as devidas precauções para não perderem o direito de reivindicar dívidas. O prazo de cinco anos oferece maior segurança às estatais, mas impõe uma responsabilidade maior às empresas contratantes, que devem ficar atentas ao cumprimento dos prazos.

Prescrição Quinquenal

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