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STF Declara Inconstitucionalidade do Porte de Arma para Agentes Socioeducativos em Leis Estaduais

Escritórios de Advocacia Estrangeiros

Processo: ADI 7.424/ES
Data do Julgamento: 6 de fevereiro de 2024
Relator: Ministro Gilmar Mendes

Em uma decisão importante, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que é inconstitucional a criação de leis estaduais que concedam o porte de arma de fogo a agentes socioeducativos. O STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.424, movida contra uma lei do Espírito Santo, que conferia o porte de armas a esses agentes. A decisão concluiu que legislar sobre porte de armas é competência exclusiva da União, conforme a Constituição Federal (art. 22, I e XXI).

O Caso Concreto

O Estado do Espírito Santo editou a Lei Complementar nº 1.017/2022, que permitia o porte de arma de fogo para agentes socioeducativos, tanto ativos quanto inativos. Agentes socioeducativos são profissionais responsáveis pela reeducação e reinserção social de jovens em situação de risco ou que cometeram atos infracionais, atuando em centros de internação ou em programas de liberdade assistida.

O artigo 1º da lei estadual concedia prerrogativas aos agentes penitenciários e socioeducativos, incluindo o porte de armas de uso permitido e restrito. Contudo, essa lei estadual entrou em conflito com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), uma legislação federal que regula as condições de registro e porte de armas no Brasil.

Diante dessa lei estadual, o Procurador-Geral da República ajuizou a ADI 7.424/ES, alegando que a norma era inconstitucional, pois usurpava a competência privativa da União para legislar sobre direito penal e material bélico.

A Decisão do STF

O STF, em decisão unânime, julgou procedente a ADI e declarou a inconstitucionalidade da lei estadual. A corte entendeu que conceder porte de arma de fogo é um ato que, em tese, afasta uma infração penal. Logo, trata-se de uma matéria ligada diretamente ao direito penal, cuja competência para legislar é exclusiva da União, conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição.

Além disso, o artigo 22, inciso XXI, da Constituição também reserva à União a competência para legislar sobre normas gerais de organização e material bélico. O artigo 21, inciso VI, da Constituição reforça que cabe à União autorizar e fiscalizar a produção e comércio de material bélico, o que inclui definir as condições para o porte de armas.

O Estatuto do Desarmamento e a Exclusão dos Agentes Socioeducativos

O Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, estabelece regras rígidas para o registro, posse e porte de armas de fogo. O artigo 6º da Lei 10.826/2003 define quem são as pessoas e categorias profissionais autorizadas a portar armas de fogo em caráter excepcional, por sua exposição a situações de risco.

Os agentes socioeducativos não estão contemplados nesse rol. A razão para isso é que, segundo o legislador, a função desses agentes não envolve o mesmo nível de periculosidade que justifica a autorização de porte de arma de fogo para outras categorias, como os agentes penitenciários. A atividade dos agentes socioeducativos tem um caráter pedagógico e preventivo, visando à reinserção social dos adolescentes e jovens em conflito com a lei, em conformidade com o artigo 227 da Constituição Federal, que trata dos direitos da criança e do adolescente.

O Caráter Educativo das Medidas Socioeducativas

Na visão do STF, permitir o porte de arma para agentes socioeducativos reforçaria uma visão equivocada de que as medidas socioeducativas possuem caráter punitivo. No entanto, essas medidas são, na verdade, voltadas para a educação e reabilitação dos adolescentes em conflito com a lei. O objetivo é oferecer uma segunda chance para que esses jovens sejam reintegrados à sociedade como cidadãos.

Dessa forma, o porte de armas seria uma contradição ao papel dos agentes socioeducativos, que têm como missão orientar e proteger os adolescentes em desenvolvimento. A tarefa dos agentes socioeducativos, regida pela Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), não é comparável à dos agentes penitenciários, que lidam com adultos em regime de privação de liberdade.

Tese Fixada pelo STF

A tese firmada pelo STF foi clara e objetiva: É inconstitucional lei estadual que concede porte de arma de fogo a agentes socioeducativos, pois legislar sobre direito penal e material bélico é competência exclusiva da União. A decisão foi embasada nos seguintes pontos:

  1. Competência da União: Legislar sobre direito penal, incluindo as regras sobre o porte de armas de fogo, é competência privativa da União (art. 22, I e XXI, da Constituição Federal).
  2. Normas Gerais sobre Material Bélico: A União também detém a competência exclusiva para legislar sobre o uso, comércio e fiscalização de material bélico, o que inclui a autorização do porte de armas (art. 21, VI, da Constituição Federal).
  3. Estatuto do Desarmamento: O Estatuto do Desarmamento não contempla os agentes socioeducativos como categoria apta a portar armas de fogo, pois essa função não envolve periculosidade suficiente para justificar o porte de armas.
  4. Caráter Pedagógico das Medidas Socioeducativas: A tarefa dos agentes socioeducativos é pautada na reabilitação dos adolescentes e jovens em conflito com a lei, e não na punição. Conceder o porte de armas a esses agentes seria incoerente com o caráter pedagógico de sua função.

Impacto da Decisão

A decisão do STF estabelece um importante precedente para outros Estados que possam vir a legislar sobre o tema. O porte de armas, especialmente para categorias funcionais específicas, não pode ser tratado em nível estadual, uma vez que é de competência exclusiva da União.

Essa decisão também reforça a necessidade de que o sistema socioeducativo seja tratado como uma rede de proteção e educação, e não de punição. As medidas socioeducativas visam à reintegração dos jovens e adolescentes, e a introdução de armas nesse ambiente contraria os princípios constitucionais de proteção integral aos menores.

Conclusão

A decisão do STF na ADI 7.424/ES, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, reafirma a competência privativa da União para legislar sobre o porte de armas de fogo e preserva o caráter educativo das medidas socioeducativas. Leis estaduais que tentam conceder porte de arma para agentes socioeducativos são, portanto, inconstitucionais. O porte de arma de fogo deve ser restrito a situações em que há risco e periculosidade comprovados, o que não se aplica à função dos agentes socioeducativos.

Porte de Arma

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