No campo do direito tributário, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe mudanças significativas no tratamento de execuções fiscais de baixo valor. A questão central diz respeito à possibilidade de o Poder Judiciário extinguir execuções fiscais cujo valor seja considerado irrisório, quando não houver exaurimento de medidas administrativas e extrajudiciais que poderiam ser mais eficientes e menos onerosas. Essa decisão foi consolidada no Recurso Extraordinário (RE) 1.355.208/SC, sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia, e discutida no Informativo 1121-STF, julgado em dezembro de 2023.
Essa posição do STF visa garantir o respeito ao princípio constitucional da eficiência administrativa, evitando que o Judiciário seja sobrecarregado com execuções fiscais de pequeno valor, especialmente quando há outras alternativas mais eficazes de cobrança da dívida.
O Contexto do Caso: Execução Fiscal em Santa Catarina
O caso que deu origem à decisão envolve um município do interior de Santa Catarina, que ajuizou uma execução fiscal contra a empresa Alfa. O valor em questão era inferior a um salário-mínimo, e o juiz, ao analisar o processo, entendeu que não havia interesse de agir por parte do ente público. O fundamento utilizado foi a Lei estadual nº 14.266/2007, que autorizava a extinção de execuções fiscais quando o valor fosse inferior ao limite legal. O juiz, portanto, extinguiu a ação com base na falta de interesse econômico do município.
Entretanto, o município recorreu ao Supremo Tribunal Federal, alegando que a decisão violava sua competência tributária e o direito de acesso à justiça. A principal alegação foi a de que a Lei estadual não poderia limitar a execução de débitos fiscais de pequenos valores sem que o município tivesse a possibilidade de ajuizar a execução.
A Decisão do STF: Eficiência Administrativa e Extinção da Execução Fiscal
O STF, ao julgar o RE 1.355.208/SC, rejeitou o argumento do município e manteve a decisão de extinção da execução fiscal de baixo valor. A Corte ressaltou que a cobrança judicial de dívidas irrisórias, sem que houvesse a tentativa de medidas administrativas menos onerosas, violava o princípio da eficiência administrativa. O STF destacou que, à luz desse princípio, o Poder Judiciário deve evitar movimentar sua máquina em execuções fiscais que não representem um valor significativo, sobretudo quando há outras alternativas de cobrança extrajudicial.
Tese Fixada pelo STF
A tese fixada pelo STF foi a seguinte:
- É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.
- O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção de medidas extrajudiciais, como a tentativa de conciliação ou outra solução administrativa, além do protesto do título, salvo se houver comprovada ineficiência dessas medidas.
- O trâmite de ações de execução fiscal não impede que os entes federados solicitem a suspensão do processo para a adoção dessas medidas, sendo necessário informar o juiz sobre as providências adotadas.
Essa tese reafirma a importância de buscar soluções extrajudiciais para execuções fiscais de baixo valor, utilizando mecanismos como o protesto da dívida e câmaras de conciliação para ouvir o devedor. Só após o exaurimento dessas tentativas é que o ajuizamento da execução fiscal seria considerado legítimo.
O Papel do Protesto e Soluções Administrativas
Um dos principais pontos ressaltados pelo STF foi a necessidade de tentar o protesto da dívida ativa antes de recorrer ao Judiciário. O protesto é um meio eficiente de pressionar o devedor sem envolver o sistema judiciário, sendo menos custoso para o ente público e igualmente eficaz em muitas situações. O protesto de certidões de dívida ativa foi regulamentado pela Lei nº 12.767/2012, que incluiu o parágrafo único no artigo 1º da Lei nº 9.492/97, permitindo expressamente o protesto de dívidas da União, estados, municípios e suas autarquias.
Além disso, o STF indicou que a conciliação administrativa deve ser tentada sempre que possível. O uso de câmaras de conciliação e outras formas alternativas de resolução de conflitos são ferramentas que permitem ao ente público recuperar o crédito sem onerar o Poder Judiciário com o trâmite de ações judiciais.
Impacto da Decisão para Municípios e Entes Federados
A decisão do STF traz impactos relevantes para a forma como municípios, estados e a própria União lidam com a cobrança de créditos fiscais de pequeno valor. Para os entes públicos, a decisão significa que o ajuizamento de execuções fiscais deve ser a última alternativa, após o esgotamento de todas as medidas administrativas e extrajudiciais.
Essa mudança de paradigma visa desonerar o Judiciário de ações que poderiam ser resolvidas de forma mais ágil e eficaz por meio de instrumentos administrativos. Além disso, essa abordagem reduz os custos associados ao trâmite de processos judiciais, tanto para o ente público quanto para o devedor, e reforça a ideia de que o Judiciário não deve ser acionado em situações onde há outros meios mais eficientes de resolver a controvérsia.
A Relação com o Princípio da Eficiência Administrativa
A decisão do STF está fortemente ancorada no princípio da eficiência administrativa, que é um dos pilares da gestão pública no Brasil. Esse princípio, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, impõe que a administração pública atue de forma eficiente, utilizando os recursos disponíveis de maneira a obter o melhor resultado possível.
No contexto da execução fiscal, isso significa que o Poder Judiciário não deve ser acionado de forma desnecessária para a cobrança de dívidas que possam ser resolvidas por outros meios, como o protesto ou a conciliação. A movimentação da máquina judiciária, especialmente em execuções fiscais de baixo valor, representa um ônus tanto para o ente público quanto para o sistema de justiça, sendo, portanto, uma medida que deve ser evitada.
Conclusão
A decisão do STF no RE 1.355.208/SC, relatada pela Ministra Cármen Lúcia, estabelece um marco importante no tratamento das execuções fiscais de baixo valor no Brasil. Ao determinar que o ajuizamento da execução fiscal deve ser precedido de tentativas de soluções extrajudiciais mais eficientes e menos onerosas, o STF promove uma gestão mais racional dos recursos públicos e judiciários, alinhada com o princípio da eficiência administrativa.
Essa decisão reflete o compromisso do STF em garantir que o sistema tributário funcione de maneira justa e eficiente, permitindo que os entes federados cobrem seus créditos de forma menos onerosa e mais eficaz, sem sobrecarregar o Judiciário com execuções fiscais desnecessárias.