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Exame Toxicológico em Concurso Público: Decisão Judicial sobre Exclusão

Pena de Perdimento

A recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no processo 1065193-90.2022.4.01.3400, trouxe à tona um importante precedente judicial sobre exclusões em concursos públicos devido a resultados positivos em exames toxicológicos. A ação foi movida pela União Federal, que recorreu de uma decisão favorável à candidata que havia sido excluída do concurso público da Aeronáutica devido à presença de anfetamina no exame toxicológico. A exclusão da candidata levantou questões jurídicas importantes sobre a razoabilidade, a proporcionalidade e o uso de medicamentos controlados em contextos legítimos.

A candidata impetrou um mandado de segurança para assegurar seu direito de continuar no processo seletivo, já que o uso da substância anfetamina era parte de um tratamento médico prescrito para transtornos alimentares, utilizando o medicamento Venvanse (lisexanfetamina). O ponto central da controvérsia girava em torno de como os editais de concursos públicos devem lidar com candidatos que fazem uso de substâncias controladas por motivos de saúde.

Exame Toxicológico e Exclusão no Concurso

A Aeronáutica, como parte das regras do concurso, exigia que todos os candidatos fossem submetidos a exames toxicológicos, com a eliminação automática de qualquer candidato que testasse positivo para substâncias proibidas. No entanto, o caso da impetrante apresentava uma particularidade relevante: o uso de Venvanse, um medicamento amplamente prescrito para o tratamento de distúrbios como transtornos alimentares e déficit de atenção, que tem como base a substância anfetamina.

A impetrante apresentou laudos médicos que comprovavam que o uso da substância era essencial para seu tratamento, sendo totalmente legal e recomendado por um médico. Mesmo assim, ela foi excluída do certame, levando a uma disputa judicial que culminou no mandado de segurança impetrado pela candidata. O argumento central da defesa era de que a exclusão automática, sem considerar o contexto médico e os laudos apresentados, violava o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, além de ser arbitrária.

Princípios de Razoabilidade e Proporcionalidade

No julgamento ocorrido em 14 de outubro de 2024, a 11ª Turma do TRF1, sob a relatoria do Desembargador Federal Rafael Paulo Soares Pinto, manteve a decisão de primeira instância que havia concedido a segurança à candidata. A corte destacou que, embora os editais de concursos públicos tenham o direito de estabelecer critérios rigorosos para a exclusão de candidatos, esses critérios devem sempre ser aplicados com base nos princípios constitucionais de razoabilidade e proporcionalidade.

A eliminação de um candidato com base em um exame toxicológico positivo para uma substância usada de maneira legítima e supervisionada por um médico é, conforme o tribunal, desproporcional. A corte reconheceu que a impetrante não estava utilizando a anfetamina de maneira recreativa ou abusiva, mas sim como parte de um tratamento prescrito, o que justificava plenamente sua continuidade no concurso público.

O julgamento ressaltou que a aplicação de normas relacionadas à exclusão de candidatos com exames toxicológicos positivos deve ser feita com cautela, considerando o contexto específico de cada caso. No caso da impetrante, o uso de Venvanse foi atestado por laudos médicos, evidenciando que o resultado positivo do exame toxicológico não era indicativo de conduta ilícita, mas sim de uma necessidade médica devidamente acompanhada.

O Papel dos Editais de Concursos Públicos

Os editais de concursos públicos têm como objetivo garantir que os candidatos atendam a determinados requisitos de saúde, aptidão física e moral, e é por isso que exames toxicológicos são uma exigência comum. No entanto, o caso da impetrante levanta uma questão importante: até que ponto os editais podem ser aplicados de forma rígida, sem levar em consideração as particularidades de cada candidato? A 11ª Turma do TRF1 deixou claro que os editais devem ser interpretados de maneira a respeitar os direitos fundamentais dos candidatos.

Embora o edital do concurso da Aeronáutica previsse a eliminação de candidatos que testassem positivo para substâncias controladas, essa regra não pode ser aplicada de forma cega. A presença de substâncias controladas no exame toxicológico deve ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, especialmente quando a substância foi usada de maneira legal e justificada por motivos médicos.

A decisão do TRF1 reforça que o objetivo dos exames toxicológicos em concursos públicos é garantir que os candidatos estejam aptos para exercer as funções do cargo, e não penalizar aqueles que, por necessidade médica, utilizam substâncias controladas. Nesse sentido, a eliminação da impetrante sem uma análise criteriosa de sua condição médica foi considerada desproporcional e contrária aos princípios de justiça e equidade.

Teoria do Fato Consumado

Outro ponto relevante abordado pelo TRF1 foi a aplicação da teoria do fato consumado. A impetrante já havia participado da colação de grau e obtido decisões favoráveis em primeira instância, que garantiram sua continuidade no processo seletivo. Portanto, a tentativa de reverter essa situação seria desaconselhável, uma vez que os direitos da candidata já haviam sido reconhecidos e consolidados judicialmente.

A teoria do fato consumado é amplamente aplicada no direito brasileiro para evitar que decisões judiciais que já produziram efeitos concretos sejam revertidas, causando prejuízos às partes envolvidas. No caso da impetrante, a colação de grau e a decisão judicial anterior já haviam garantido sua reintegração ao concurso, o que tornava inviável qualquer tentativa de desconstituir esses atos.

Precedentes Jurídicos e Decisão Final

A decisão do TRF1 se alinha a precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de outros tribunais federais, que reconhecem a necessidade de se aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na análise de exames toxicológicos em concursos públicos. A corte reiterou que a exclusão de um candidato não pode ser feita de maneira automática e sem considerar o contexto específico de cada caso.

O tribunal também ressaltou que, conforme o art. 25 da Lei nº 12.016/09, não cabem honorários advocatícios em ações de mandado de segurança, o que foi observado na sentença. A decisão final do TRF1 foi pela negação de provimento à apelação e à remessa necessária, confirmando a sentença de primeira instância que garantiu o direito da candidata a continuar no concurso, respeitando sua condição médica e a legalidade de sua participação.

Impacto da Decisão

A decisão proferida no processo 1065193-90.2022.4.01.3400 tem um impacto significativo sobre a forma como os exames toxicológicos são tratados em concursos públicos. Ela estabelece que, embora a exigência de exames seja legítima, a exclusão de candidatos com base nesses resultados deve ser feita com cautela, especialmente quando há justificativas médicas legítimas para o uso de substâncias controladas.

Além disso, a decisão reforça a importância de se respeitar o direito de isonomia e o acesso igualitário aos cargos públicos. A eliminação de um candidato com base no uso de medicamentos prescritos para tratamento médico pode violar esses princípios, se feita de maneira arbitrária e sem a devida consideração das circunstâncias individuais.

A corte reafirmou que os concursos públicos devem ser conduzidos de maneira a garantir a justiça e a equidade entre todos os participantes, respeitando os direitos fundamentais dos candidatos e assegurando que normas como as previstas em editais não sejam aplicadas de maneira desproporcional.

Conclusão

O acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, relatado pelo Desembargador Federal Rafael Paulo Soares Pinto, no processo 1065193-90.2022.4.01.3400, representa uma vitória importante para os direitos dos candidatos em concursos públicos que utilizam medicamentos controlados por motivos médicos legítimos. A decisão assegura que a eliminação de candidatos com base em exames toxicológicos deve ser analisada com cautela, considerando as circunstâncias individuais e respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Essa decisão não apenas garante a continuidade da candidata no concurso público, mas também estabelece um precedente importante para futuros casos semelhantes, reforçando que os direitos fundamentais dos candidatos devem ser sempre observados em processos seletivos.

Exame Toxicológico

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