O Supremo Tribunal Federal (STF), em uma decisão recente, reafirmou a proteção aos direitos de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista ao declarar inconstitucional a utilização de depósitos judiciais e administrativos em processos onde essas entidades sejam partes, para pagamento de precatórios pelo estado. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.457/AM, relatado pelo Ministro Nunes Marques, trouxe à tona um importante debate sobre os limites do uso de depósitos judiciais por Estados. A decisão foi proferida em 19 de dezembro de 2023 e divulgada no Informativo 1121-STF.
Essa decisão do STF foi necessária para garantir que os recursos de empresas públicas e sociedades de economia mista, que fazem parte da administração pública indireta, não sejam indevidamente utilizados pelos entes federativos para cobrir despesas com precatórios. Vamos entender melhor o que são os depósitos judiciais, a Lei Complementar nº 151/2015, e por que a lei estadual do Amazonas foi considerada inconstitucional.
O Que São Depósitos Judiciais?
Os depósitos judiciais são valores em dinheiro depositados em juízo, que ficam à disposição do Poder Judiciário enquanto um processo não é resolvido. Esses valores podem ser usados para garantir uma obrigação, como o pagamento de uma dívida, enquanto se aguarda a decisão final do juiz.
Por exemplo, imagine que João entra com uma ação contra Pedro, alegando que deve pagar uma dívida de R$ 100 mil. João pode depositar esse valor em juízo como parte do processo de consignação em pagamento. Esses valores ficam em uma conta bancária controlada pela Justiça, até que o juiz decida quem tem direito de levantar a quantia.
A Lei Complementar nº 151/2015
A Lei Complementar nº 151/2015 foi criada para ajudar Estados e Municípios a enfrentarem a crise fiscal que assolava o país em 2015. A lei permite que os entes federativos utilizem parte dos valores de depósitos judiciais para pagar precatórios e outras despesas públicas.
De acordo com a LC 151/2015, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem usar até 70% dos depósitos judiciais relacionados a processos em que eles próprios sejam parte, deixando os outros 30% como fundo de reserva. Esse fundo é utilizado para garantir que, caso o ente público perca o processo, haja dinheiro disponível para devolver ao depositante ou pagar a outra parte.
Essa lei foi considerada constitucional pelo STF em decisões anteriores (ADI 5.361/DF e ADI 5.463/DF), desde que utilizada apenas para processos em que a administração pública direta seja parte.
A Lei Estadual do Amazonas e a ADI 5.457/AM
Em consonância com a LC 151/2015, o Estado do Amazonas editou a Lei nº 4.218/2015, que permitia ao Estado utilizar até 70% dos depósitos judiciais para pagar precatórios. No entanto, a lei amazonense foi além e previu a possibilidade de uso desses depósitos judiciais em processos em que empresas públicas e sociedades de economia mista fossem parte, ou seja, estendeu o alcance para a administração pública indireta.
Essa previsão levantou questionamentos, pois, ao contrário da administração direta, as empresas públicas e sociedades de economia mista têm um regime jurídico diferenciado e não estão sujeitas ao regime de precatórios. Elas respondem por suas obrigações através de execução patrimonial, ou seja, os bens e recursos dessas entidades devem ser usados para pagar suas próprias dívidas, e não as dívidas do Estado.
Diante dessa situação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou a ADI 5.457/AM no STF, questionando a constitucionalidade da Lei amazonense. A principal alegação foi de que a legislação estadual exorbitava os limites estabelecidos pela Lei Complementar nº 151/2015, ao incluir depósitos judiciais de processos onde a administração indireta fosse parte.
A Decisão do STF
Ao julgar a ADI 5.457/AM, o STF, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do §1º do art. 1º da Lei nº 4.218/2015, do Estado do Amazonas, no ponto em que permitia o uso de depósitos judiciais de processos envolvendo empresas públicas e sociedades de economia mista.
O relator, Ministro Nunes Marques, destacou que a Lei Complementar nº 151/2015 autoriza o uso de depósitos judiciais apenas em processos em que pessoas jurídicas de direito público sejam parte, como Estados e Municípios, mas não se aplica às pessoas jurídicas de direito privado da administração indireta, como as empresas públicas e sociedades de economia mista. Essas entidades, apesar de vinculadas ao ente federativo, não se submetem ao regime de precatórios, mas sim ao regime de execução patrimonial.
O STF entendeu que permitir o uso desses depósitos para pagar precatórios do Estado violaria o direito de propriedade dessas entidades. Além disso, a Corte ressaltou que a inclusão da administração pública indireta nos dispositivos da Lei Complementar nº 151/2015 foi uma imprecisão legislativa, que deve ser corrigida por uma interpretação restritiva.
Tese Fixada pelo STF
A tese fixada pelo STF foi clara:
- É inconstitucional lei estadual que prevê o uso de depósitos judiciais ou administrativos relativos a processos em que pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública indireta sejam partes.
- Essa previsão exorbita as normas gerais previstas na Lei Complementar federal nº 151/2015 e ofende o direito de propriedade das pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública indireta.
Com base nessa tese, o STF declarou que a Lei nº 4.218/2015, do Amazonas, excedia os limites constitucionais e não poderia ser aplicada para permitir o uso de depósitos judiciais em processos envolvendo empresas públicas e sociedades de economia mista.
Impacto da Decisão
A decisão do STF tem um impacto significativo para os Estados e Municípios que buscavam utilizar depósitos judiciais para aliviar suas finanças. O uso desses recursos está restrito apenas aos processos em que o próprio ente público seja parte, garantindo que os direitos de propriedade de empresas públicas e sociedades de economia mista sejam respeitados.
Além disso, a decisão reafirma a importância da Lei Complementar nº 151/2015 como instrumento válido para regular o uso de depósitos judiciais, mas com os devidos limites. Estados e Municípios não podem utilizar os recursos pertencentes a outras entidades, ainda que sejam vinculadas à administração pública, para cobrir suas próprias dívidas, como os precatórios.
Conclusão
A decisão do STF na ADI 5.457/AM, relatada pelo Ministro Nunes Marques, reforça a proteção ao direito de propriedade e limita a utilização de depósitos judiciais por Estados e Municípios. Embora a Lei Complementar nº 151/2015 tenha sido considerada constitucional, ela não autoriza o uso de depósitos judiciais em processos envolvendo empresas públicas e sociedades de economia mista. Essa decisão representa um marco importante na delimitação dos direitos e obrigações da administração pública direta e indireta.