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Concursos Públicos e a Aferição do Fenótipo: Entenda a Decisão do STJ sobre Vagas Reservadas para Pessoas Negras

Embriaguez

Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a importância do critério fenotípico como base para a participação em vagas reservadas a pessoas negras em concursos públicos. A decisão, tomada no Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança nº 69.978-BA, foi proferida em 23 de outubro de 2023, com relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues. Neste post, vamos explorar os detalhes dessa decisão, a distinção entre os conceitos de fenótipo e genótipo, e o impacto desse entendimento para os concursos públicos no Brasil.

O Contexto das Cotas Raciais em Concursos Públicos

Desde a implementação de políticas afirmativas no Brasil, que visam a promoção da inclusão social e a igualdade de oportunidades, as cotas raciais em concursos públicos têm sido um dos principais instrumentos para garantir maior participação de pessoas negras no serviço público. A Lei nº 12.990/2014 estabeleceu que 20% das vagas em concursos públicos federais devem ser reservadas a candidatos negros. Contudo, o critério para determinar quem pode concorrer a essas vagas gerou uma série de discussões judiciais, culminando em importantes decisões como a proferida no julgamento do AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA.

Fenótipo x Genótipo: Qual a Diferença e Qual Critério Deve Prevalecer?

A controvérsia central neste caso é a distinção entre fenótipo e genótipo.

  • Fenótipo refere-se às características físicas visíveis de uma pessoa, como cor da pele, textura do cabelo e traços faciais. É um conceito que se relaciona diretamente com a aparência de um indivíduo, o que é facilmente observável por terceiros.
  • Genótipo, por outro lado, refere-se à herança genética de uma pessoa, ou seja, à composição genética que carrega a história de seus ancestrais. Embora o genótipo possa indicar que uma pessoa tem ascendência africana, isso não é necessariamente refletido em sua aparência física.

No contexto das cotas raciais, o STJ decidiu que o critério do fenótipo deve prevalecer sobre o genótipo. Isso significa que, para concorrer a vagas reservadas a pessoas negras, a aparência física do candidato, e não sua ancestralidade genética, será o fator determinante.

O Caso Concreto: AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA

O caso envolveu um candidato que se inscreveu para concorrer a uma vaga reservada para negros em um concurso público na Bahia. O edital do concurso previa que os candidatos inscritos nas vagas destinadas a pessoas negras passariam por um processo de “aferição da condição autodeclarada” por uma comissão especial, que verificaria se o candidato realmente se enquadrava nos critérios estabelecidos pela política de cotas raciais.

O candidato foi aprovado no concurso, mas, durante o procedimento de aferição, a comissão concluiu que ele não apresentava traços fenotípicos suficientes para ser considerado pardo ou negro. Insatisfeito com a decisão, o candidato impetrou um mandado de segurança, alegando que a avaliação da comissão deveria considerar sua ascendência genética e não apenas sua aparência física.

O Tribunal de Justiça da Bahia negou o pedido do candidato, e ele recorreu ao STJ. No julgamento do recurso, o STJ confirmou o entendimento de que o critério relevante para aferir o direito às vagas reservadas a negros é o fenótipo, e não o genótipo. O relator, Ministro Paulo Sérgio Domingues, destacou que o objetivo das cotas raciais é corrigir desigualdades baseadas na discriminação visível que as pessoas negras enfrentam em nossa sociedade, sendo o fenótipo o critério mais adequado para atingir esse objetivo.

A Importância do Critério Fenotípico para as Políticas de Ação Afirmativa

A decisão do STJ é de grande importância para a consolidação das políticas de ação afirmativa no Brasil, especialmente no que se refere às cotas raciais em concursos públicos. Ao determinar que o fenótipo é o critério adequado para definir a participação nas vagas reservadas, o Tribunal garantiu que essas políticas continuem a atender seu propósito original: combater a discriminação racial com base em características físicas visíveis, que historicamente têm sido um fator de exclusão social no Brasil.

A aferição do fenótipo também impede abusos na utilização das cotas, uma vez que evita que indivíduos que, embora tenham ascendência negra, não enfrentam discriminação racial por sua aparência física, se beneficiem de uma política destinada a corrigir desigualdades visíveis. Assim, a decisão do STJ preserva a integridade das cotas raciais e garante que os benefícios dessa política sejam direcionados a quem realmente precisa.

Como Funciona a Aferição do Fenótipo em Concursos Públicos?

A aferição do fenótipo é um procedimento que tem sido cada vez mais comum em concursos públicos com reserva de vagas para pessoas negras. Normalmente, os editais preveem que os candidatos que se autodeclaram pretos ou pardos deverão passar por uma comissão de verificação racial, que avaliará se o candidato possui características fenotípicas que o enquadrem nas cotas raciais.

Esse processo de aferição deve seguir critérios claros e objetivos, além de garantir o respeito à dignidade dos candidatos, observando os princípios do contraditório e da ampla defesa. O STF, em decisão anterior (ADC 41/DF), já havia afirmado a validade da autodeclaração em concursos públicos, mas também reconheceu a possibilidade de verificação por comissões, para evitar fraudes.

Impacto da Decisão para Concursos Futuros

A decisão do STJ no AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA confirma a necessidade de um critério objetivo para a aplicação das cotas raciais e reforça a validade do fenótipo como parâmetro de aferição. Isso traz maior segurança jurídica para os órgãos organizadores de concursos públicos, que agora têm respaldo para realizar verificações baseadas na aparência física dos candidatos.

Além disso, essa decisão estabelece um importante precedente para futuros concursos, garantindo que as cotas raciais continuem sendo um instrumento eficaz de inclusão social. As comissões de aferição, ao se basearem no fenótipo, garantem que a política de cotas atenda seu objetivo de combater a discriminação com base nas características físicas visíveis.

Conclusão

A decisão do STJ no AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA, de relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues, reafirma a importância do critério fenotípico como base para a aplicação das cotas raciais em concursos públicos. O entendimento de que as vagas reservadas para pessoas negras devem ser preenchidas com base na aparência física do candidato, e não em sua ascendência genética, preserva o propósito das políticas afirmativas e assegura que os benefícios sejam destinados a quem realmente enfrenta discriminação racial no Brasil.

Essa decisão é um marco para a implementação das cotas raciais e fortalece a ideia de que as políticas de ação afirmativa devem ser baseadas em critérios objetivos, que reflitam as desigualdades históricas e atuais enfrentadas pela população negra no Brasil.

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